Eliminar a utilização da vacina de vírus atenuado contra a poliomielite em todo o planeta é uma das metas da Organização Mundial da Saúde (OMS) para as próximas décadas. A ideia é que todo o esquema vacinal de prevenção da doença seja realizado com a vacina de vírus inativado (VIP), substituição que o Brasil adotará a partir do próximo ano, conforme anunciado pela ministra da Saúde, Nísia Trindade, no início do mês.
O abandono das vacinas orais com vírus atenuado é necessário para erradicar o poliovírus mundialmente, tal como ocorreu com o causador da varíola. Atualmente, a vacina oral (VOP), que popularizou o Zé Gotinha, é indicada no Programa Nacional de Imunização para as doses de reforço. Essa sequência busca garantir que apenas crianças com dose prévia de vacina de vírus inativado recebam o imunizante com vírus atenuado.
Conforme destacado pela Secretaria da Saúde da Bahia (Sesab), em nota: “a transição foi iniciada em 2012, quando foi introduzida a VIP na 1ª e 2ª dose do esquema vacinal, para crianças de 2 e 4 meses, respectivamente. Num 2º momento, no ano de 2016, a 3ª dose do esquema também foi substituída pela VIP (6 meses), de modo que a VOP permaneceu apenas como doses de reforço, aos 15 meses e aos 4 anos”.
Desde a sua introdução nos sistema de saúde, a vacina oral Sabin aliou preço acessível, sua facilidade de aplicação e o adicional de promover imunização indireta, levando ao quase desaparecimento do poliovírus no planeta.
Disseminação
“As crianças que eram vacinadas eliminavam o vírus vacinal no ambiente, pela saliva e pelas fezes. Então quando se vacinava milhões de crianças nas campanhas, você jogava no ambiente uma quantidade tão grande de vírus vacinais que ele circulava e acabava imunizando indiretamente aqueles que não compareceram às campanhas”, explica o vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), Renato Kfouri.
No entanto, com o passar do tempo foram sendo identificadas situações, raras, nas quais o vírus vacinal atenuado sofria uma mutação e voltava a ser virulento, recuperava sua capacidade de causar a poliomielite. “Se esse vírus encontrava pessoas não vacinadas acabava gerando surtos causados pelo vírus vacinal”, completa Kfouri.
Atualmente, temos mais registros de poliomielite derivada da vacina – como é classificada a doença gerada pelo vírus vacinal que sofre mutação no ambiente – do que de casos resultantes do vírus selvagem. Segundo o vice-presidente da SBIm, hoje, a circulação do vírus selvagem está restrita ao Afeganistão e Paquistão, somando pouco mais de uma dezena de casos este ano. No mesmo período, mais de 300 casos derivados da vacina foram registrados. Vale ressaltar que não há diferença de gravidade entre a infecção pelo vírus selvagem e a polio derivada da vacina.
No último mês de maio, a OMS anunciou a manutenção da poliomielite como emergência global, por pelo menos mais um trimestre. O argumento é que “enquanto houver uma criança infectada, crianças de todos os países correm o risco de contrair a poliomielite. Se a doença não for erradicada, podem ocorrer até 200 mil novos casos no mundo, a cada ano, dentro do período de uma década”. Na ocasião, a entidade informou que um caso resultante do vírus selvagem foi diagnosticado em Moçambique no ano passado.
A Organização Mundial da Saúde ressaltou ainda a ocorrência de polio derivada da vacina em populações com acesso reduzido à imunização, principalmente no continente africano. Entre os países destacados no relatório da reunião do comitê de emergência estavam Burundi, Malawi, Congo, Uganda, Madagascar, Moçambique, Nigéria, Somália e Iêmen (na Ásia).
Erro
Ainda mais rara é a ocorrência da poliomielite associada à vacina, provocada pela reativação do vírus atenuado do imunizante oral no próprio organismo da criança vacinada, esclarece Kfouri. Segundo o Ministério da Saúde (MS), 764 milhões de doses de VOP foram aplicadas em crianças de todo país, entre 1989 e 2012, e ocorreram somente 50 casos de pólio vacinal.
Pelas regras do Programa Nacional de Imunização, não importa a idade na qual a primeira dose seja tomada, ela sempre será realizada com a VIP, o que, garante o MS, praticamente anula o risco da doença associada à vacina.
Ano passado, um caso colocou em evidência o risco da vacinação ocorrer fora do esquema determinado: uma criança do Pará recebeu uma dose da VOP sem ter recebido VIP anteriormente e apresentou sintomas como perda de força muscular. O Ministério classificou o quadro apresentado como “Paralisia Flácida Aguda (PFA) suspostamente atribuível à vacina VOP”. A PFA é um dos sintomas da polio, mas também pode ocorrer por outras causas.
O MS anunciou que a criança evoluiu bem, com recuperação da força muscular, mas permaneceu com discreta claudicação na perna esquerda. A pasta ressaltou que o poliovírus Sabin identificado nesse caso não tinha caráter transmissível, portanto não alterou o cenário epidemiológico no território nacional, onde o vírus selvagem foi considerado eliminado em 1994
Fonte: A Tarde
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