Auxílio Brasil bate recorde de famílias, mas fila de espera alcança quase metade dos municípios

Atualmente, cerca de metade dos municípios do país apresenta registro de famílias que, apesar de estarem em situação de pobreza ou de extrema pobreza, não estão dentro da lista de transferência de renda por falta de dinheiro no programa.

Lançado às vésperas do ano de eleições, o programa Auxílio Brasil deu ao governo de Jair Bolsonaro (PL) a marca recorde de 18 milhões de famílias beneficiadas, mas, ainda assim, a fila de espera aumenta em ritmo acelerado desde março.

Atualmente, cerca de metade dos municípios do país apresenta registro de famílias que, apesar de estarem em situação de pobreza ou de extrema pobreza, não estão dentro da lista de transferência de renda por falta de dinheiro no programa.

Segundo dados do Ministério da Cidadania obtidos pela reportagem, o governo reconhece que há fila de espera em 2.525 cidades o país tem aproximadamente 5.500 municípios. São mais de 764 mil famílias que já tiveram o cadastro aprovado pela pasta, mas que precisam aguardar eventual aumento no orçamento do Auxílio Brasil ou a saída de algum beneficiário para então receber o pagamento. O valor, em média, supera R$ 400 por mês.

Isso ​significa que a demanda por assistência social –num período de desemprego e inflação– tem sido maior que a capacidade do programa. Procurado, o Ministério da Cidadania não se manifestou sobre o assunto.

De olho na campanha à reeleição, Bolsonaro mudou de postura em relação ao programa social ao longo do governo.

Em 2019, o governo travou a entrada de famílias por falta de dinheiro. O programa Bolsa Família sofreu a maior queda da história, recuando de 14 milhões para 13 milhões de famílias. A fila de espera superou 1,5 milhão de cadastros.

Apenas diante da pandemia do coronavírus é que Bolsonaro mandou liberar verba para os mais pobres. E, em poucas semanas, criou o Auxílio Emergencial –apesar do caráter temporário, a transferência de renda elevou a popularidade do presidente.

Foi então que o Palácio do Planalto passou a se empenhar por um substituto do Bolsa Família, dando a Bolsonaro uma marca na área social às vésperas do ano de eleição. O primeiro pagamento no valor de R$ 400 foi em dezembro.

Pesquisa Datafolha divulgada nesta quinta-feira (26) mostrou que a substituição do programa social ainda não trouxe dividendos eleitorais a Bolsonaro. Entre os que informaram receber o benefício do Auxílio Brasil, o presidente atinge 20% das intenções de voto, enquanto o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) alcança 59% desse público.

Apesar da troca no nome e de algumas mudanças em critérios do programa, o Auxílio Brasil segue as mesmas bases do Bolsa Família.

Técnicos do governo afirmam que houve avanço nessa mudança de categorias de benefícios que compõem o valor final, que passa a ser mais ligado à composição familiar.

No entanto, a principal diferença entre o Auxílio Brasil e o Bolsa Família foi a intenção do governo de ampliar a verba para o programa. Isso representou um forte aumento na cobertura, que saltou de 13 milhões de famílias no início da pandemia para 18,1 milhões em 2022.

Além disso, o valor médio do benefício subiu de aproximadamente R$ 227 –valor corrigido pela inflação– para R$ 409,51.

Apesar do patamar recorde da renda transferida, especialistas afirmam que o modelo adotado no Auxílio Brasil poderia ser mais eficiente. No programa de Bolsonaro, o valor mínimo é de R$ 400, o que independe do tamanho da família.

“O Bolsa Família surgiu como um programa mais voltado para as crianças, inclusive com requisitos para monitorar o desempenho escolar. Isso foi mudando ao longo do tempo, mas agora [no Auxílio Brasil] o benefício não é diferenciado pelo tamanho da família”, diz o economista Marcelo Neri, diretor do FGV Social.

Hoje, para entrar no Auxílio Brasil, o Cadastro Único (que reúne o público de programas sociais) considera em extrema pobreza pessoas com renda mensal de R$ 105 por membro da família. Rendimentos entre R$ 105,01 e R$ 210 são classificados como situação de pobreza –e também se encaixam no critério para receber a transferência de renda.

Em estudo recente, a CNM (Confederação Nacional de Municípios) informou que há 1,3 milhão de famílias aguardando pelo Auxílio Brasil. Esse dado é diferente do número oficial do Ministério da Cidadania porque a CNM considera os pedidos de quem está no Cadastro Único e se encaixa nos critérios do programa.

No caso da fila de espera oficial do governo, os cadastros das famílias já foram verificados e, portanto, efetivamente estão aprovados para entrar no programa –quando houver espaço para que possam receber a transferência de renda. Essa checagem da documentação ainda não foi feita na fase apresentada pela CNM.

Pelos dados do governo, a fila ficou zerada apenas em janeiro e fevereiro. Já em março, 100 mil famílias tiveram o cadastro aprovado, mas não conseguiram entrar no programa. Esse número subiu para 400 mil famílias em abril e, em maio, saltou para 764 mil famílias.

Para o Carlos Alberto Ramos, professor do departamento de Economia da UnB (Universidade de Brasília), o ideal seria que a fila fosse zerada, mas, por dificuldades orçamentárias e alta da demanda por assistência, afastam esse cenário.

“O interessante seria que todo público abaixo da linha da pobreza fosse contemplado. Fora detalhes técnicos, os dois programas [Bolsa Família e Auxílio Brasil] são programas de transferência de renda focalizados nos mais carentes. O melhor seria ver esses programas como uma política de Estado, mas há muito apelo eleitoral”, afirma Ramos.

O Auxílio Brasil alterou a forma de calcular o benefício de cada família –em relação ao programa com digital petista, que tinha quatro (benefício básico; benefícios variáveis; benefício variável vinculado ao adolescente e benefício para superação da extrema pobreza).

A versão de Bolsonaro tem, ao todo, nove tipos de benefícios. São eles: benefício primeira infância; benefício composição familiar; benefício de superação da extrema pobreza; auxílio esporte escolar; bolsa de iniciação científica júnior; auxílio criança cidadã; auxílio inclusão produtiva rural; auxílio inclusão produtiva urbana; benefício compensatório de transição.

Mas, ao final da conta, o valor não varia muito em relação ao patamar mínimo de R$ 400 estabelecido pelo governo.

“Ficou uma árvore de Natal com nove tipos de benefícios. Num país grande, desigual e complexo como o Brasil é difícil colocar em prática uma bolsa atleta. E uma parte do programa não consegue ser operativa por causa da regra [do piso] de R$ 400”, diz Neri.

A equipe do ex-presidente Lula, que lidera a corrida presidencial, já avalia propor mudanças no programa social e retomar o nome Bolsa Família, associado às gestões petistas.

PRINCIPAIS DIFERENÇAS ENTRE O BOLSA FAMÍLIA E O AUXÍLIO BRASIL

  • Valor médio do benefício
  • Bolsa Família: R$ 227*
  • Auxílio Brasil: R$ 409,51
  • *Valor corrigido pela inflação
  • Número de famílias atendidas
  • Bolsa Família: 14,7 milhões
  • Auxílio Brasil: 18,1 milhões
  • Critério de acesso (linha de extrema pobreza e pobreza)
  • Bolsa Família: R$ 89 por membro da família (extrema pobreza) e R$ 178 (pobreza)
  • Auxílio Brasil: R$ 105 (extrema pobreza) e R$ 210 (pobreza)

Como a fila de espera se forma:

As famílias estão na lista Cadastro Único (que reúne potencial público de programas sociais) e já tiveram a documentação avalizada pelo Ministério da Cidadania.

Ou seja, o governo já reconheceu que elas preenchem os critérios para estar no programa social.

Mas, por falta de dinheiro, essas famílias precisam aguardar na fila para então receber a transferência de renda.

Fonte: Ministério da Cidadania

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