Eloá, de apenas quatro meses, brinca no berço enquanto sua mãe, Janine de Jesus, 25 anos, respira aliviada por ter vacinado a filha contra a meningite. A criança, porém, é uma exceção diante do fato da cobertura vacinal na Bahia para a doença estar bem abaixo da meta de 95% desde 2016, enquanto os casos e mortes este ano mais que dobraram na comparação com 2021.
Segundo a Secretaria Estadual da Saúde (Sesab), até julho deste ano, apenas 62,9% das crianças tinham sido imunizadas contra a meningite, que se não tratada em tempo, pode matar. A meta é alcançar 95% do público até o final do ano. Enquanto isso, até 24 de setembro, quando encerrou a 38ª semana epidemiológica, a Bahia tinha registrado 273 casos confirmados de meningites de diversas etiologias.
O número é 160% a mais que o mesmo período do ano passado, quando foram contabilizados 105 casos. Em 2020, foram 143. Este ano, já ocorreram 43 mortes pela doença. Em 2021, foram 21 óbitos, quase 50% a menos.
O técnico da Coordenação de Doenças Imunopreveníveis da Sesab, Ramon Saavedra, explicou que é preciso ter cuidado com a comparação entre 2022 e os anos pandêmicos, mas frisou que a vacinação está lenta. Desde 2016, os resultados têm sido abaixo do esperado na Bahia e no Brasil. Dados do Ministério da Saúde apontam que, este ano, apenas 52,08% das crianças foram protegidas contra meningite no país.
“Esse é um cenário em todo o mundo, tanto que a Organização Mundial da Saúde (OMS) já chamou a atenção de que a baixa cobertura vacinal é um problema de saúde global. Em relação à quantidade de casos da doença, nos dois últimos anos vimos uma queda, mas sabemos que isso se deve a uma subnotificação por conta da covid-19 e às medidas de isolamento adotadas durante a pandemia, que dificultaram a transmissão dos vírus”, explicou.
Em 2018, foram confirmados 337 casos de meningite na Bahia, entre janeiro e setembro daquele ano. Em 2019, foram 348 diagnósticos de meningite, no mesmo período, conforme dados da Sesab. Para o especialista, a baixa cobertura vacinal está atrelada a questões sociais. “Existe uma falsa sensação de segurança, porque as formas extremas da doença não estão em evidência. Existe o medo de reação, as questões religiosas e notícias falsas relacionadas à imunização”, explica.
A mãe de Eloá, a bebê do começo da reportagem, conta que quando chegou ao posto, no mês passado, para vacinar a filha, estranhou o movimento fraco. “Não tinha fila e nem ninguém esperando. Levei ela para vacinar porque quero proteger minha filha contra essa doença, mas não vi campanha sobre vacinação e nem nada nesse sentido, eu fico acompanhando pelo calendário de vacinas. Vi que chegou a data e levei”, lembra.
Alerta do passado
Quando tinha apenas 11 anos, Elisson Lobo foi internado às pressas porque estava com meningite. Ele lembra da febre alta, do cansaço e de ter dividido um quarto no Hospital Couto Maia com outras três pessoas. Foram 30 dias internado, 15 deles em coma, e ao voltar para o quarto, descobriu que apenas ele tinha sobrevivido.
“Eu estava com muita febre e meus pais me levaram até um posto de saúde em Plataforma [no Subúrbio Ferroviário]. A médica que nos atendeu disse que era um quadro de meningite. Despois disso, não lembro direito o que aconteceu, porque desmaiei. Quando acordei já estava no hospital. Graças a Deus, não tive sequelas, mas os três pacientes que estavam no quarto comigo morreram”, contou Elisson, de 38 anos.
A meningite é a inflamação das meninges, membranas que envolvem o cérebro e a medula espinhal, e que se não for tratada pode matar. Segundo o Ministério da Saúde, em 2022, 5.821 brasileiros foram diagnosticados com meningite e 702 pessoas perderam a vida. Ainda assim, apenas 50,60% das crianças receberam a dose de reforço. “A vacinação é considerada a forma mais eficaz na prevenção da meningite bacteriana, sendo as vacinas específicas para determinados agentes etiológicos”, diz o órgão.
Surto fora da Bahia
Na última semana, São Paulo registrou surto da doença. Estados como Espírito Santo, Rio de Janeiro e Minas Gerais tiveram aumento no número de casos.
A professora do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia (Ufba), Glória Teixeira, explicou que a Bahia ainda não vive um surto, mas que a atenção precisa ser redobrada. “Um surto é determinado de acordo com um diagrama de controle que leva em consideração o tipo de meningite, a média de casos registrados em anos epidêmicos e de anos anteriores. Tivemos redução de casos na pandemia devido ao uso de máscara, distanciamento social e outras medidas de isolamento, então, estamos registrando um aumento este ano, mas ainda menor do que os anos pré-pandemia”, salienta.
A especialista explicou também que é preciso ter atenção com outras doenças. “Em princípio, qualquer vírus pode produzir meningite. Crianças com papeira, tuberculose, otites ou gripes mal curadas podem evoluir, porque vírus e bactérias podem invadir a meninge”, disse.
O tipo mais comum da doença é a meningocócica C. A médica pediatra e professora de Medicina da Faculdade AGES, Mirla Amorim, destacou que outras vacinas oferecidas no calendário de vacinação também ajudam a prevenir meningite. Na rede privada, alguns tipos de imunizante podem custar até R$ 700 a dose, daí a importância de aproveitar as vacinas oferecidas gratuitamente nos postos de saúde.
“A meningite é uma doença com alto grau de letalidade. Os pais precisam ficar atentos aos sinais, principalmente nas crianças menores de 5 anos e nos bebês. Vômitos, rigidez na nuca, febre alta e vermelhidão na pele devem ser investigados imediatamente. E a velocidade no diagnóstico determina o sucesso na recuperação”, afirmou.
Saiba mais sobre a meningite
Transmissão – Em geral, a transmissão é de pessoa para pessoa, através das vias respiratórias, por gotículas e secreções do nariz e da garganta. Também ocorre transmissão através da ingestão de água e alimentos contaminados e contato com fezes;
Sintomas – As meningites provocadas por vírus costumam ser mais leves e os sintomas se parecem com os das gripes e resfriados. A doença ocorre, principalmente, entre as crianças, que têm febre, dor de cabeça, um pouco de rigidez da nuca, falta de apetite e irritação. Meningites bacterianas são mais graves e em pouco tempo os sintomas aparecem: febre alta, mal-estar, vômitos, dor forte de cabeça e no pescoço, dificuldade para encostar o queixo no peito e, às vezes, manchas vermelhas espalhadas pelo corpo;
Tratamento – Após a avaliação médica e a realização de exames, o tratamento será indicado de acordo com o agente causador da infecção. Não há tratamento específico para a meningite viral e, como acontece com outras viroses, se resolve sozinha, podendo ser utilizados medicamentos que tratem apenas dos sintomas, como dor e febre. Meningites bacterianas são mais graves e devem ser tratadas imediatamente, em ambiente hospitalar;
Prevenção – A principal forma de prevenir a meningite em crianças é através da vacinação. A Sesab informou que ampliou a oferta da vacina meningocócica C conjugada para as pessoas de 1 ano de idade até 19 anos, 11 meses e 29 dias de forma seletiva. E recomendou o uso indiscriminado para profissionais de saúde. Já a vacina meningocócica ACWY estará disponível na rede pública até junho de 2023 para os adolescentes de 11 a 14 anos. Outras vacinas disponíveis contra meningites bacterianas são: BCG, Pentavalente e pneumocócica 10 valente.
Fonte: Rede Bahia
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