O aumento da incidência de miopia na infância e o surgimento dessa condição ocular em crianças cada vez menores foram destacadas recentemente pela Sociedade Brasileira de Oftalmologia. Segundo projeções da Organização Mundial da Saúde (OMS), até 2050, metade da população será míope e o Brasil está entre os países nos quais o aumento da alta miopia, representada por graus acima de seis, cresce mais que a baixa e a moderada.
Um dos fatores que tem sido relacionado ao avanço da miopia no Brasil e no mundo é o período de utilização de telas, sejam celulares, tablets ou televisores, com efeitos mais pronunciados quanto menor é a distância entre os olhos e a tela observada. Na prática, a miopia é percebida como uma dificuldade de enxergar nitidamente à distância.
“Miopia basicamente é um borramento da visão de longe, que pode ser causada por duas fisiopatologias: o aumento muito grande do comprimento axial do olho, ou seja, o globo ocular fica mais alongado do que o normal; ou uma córnea, que é a parte anterior do nosso olho, mais curva do que o normal. O boom que a gente tem visto hoje em dia é justamente da miopia axial”, diz a oftalmologista Carla Cordeiro, do DayHorc.
Não é uma mudança de perfil quanto ao tipo mais comum, pois historicamente a miopia axial é a de maior incidência. Além de ser a minoria dos casos, a miopia resultante de alteração na córnea tem preponderância dos fatores genéticos e os estímulos externos influenciam pouco na sua evolução.
Segundo a médica, o surgimento da miopia axial também é influenciado por fatores genéticos, então filhos de míopes têm maior probabilidade de apresentar essa condição, além de estar atrelada à etnia, um exemplo é que os povos orientais costumam ter esse comprimento ocular maio alongado, naturalmente.
“O grande ponto é que o excesso das telas e pouca atividade ao ar livre têm feito com que haja uma mudança química mesmo na estrutura do olho, fazendo com que ele comece a crescer de forma exagerada. Falando da tela especificamente, quanto mais perto do olho maior o borramento luminoso que acontece atrás do globo ocular fazendo com que o nosso cérebro mande estímulos químicos para o olho crescer cada vez mais, para poder dar conta desse borramento luminoso”, detalha a especialista.
Esse mecanismo evidencia porque a pandemia de covid-19 teve um papel marcante nesse boom de miopia em crianças pequenas, pois com o distanciamento social reduziu drasticamente as atividades em ambiente externo, essenciais para estimular a visão de longe. Carla ressalta que no período pré-pandêmico, o público não adulto que começava a apresentar miopia era essencialmente pré-adolescente e adolescente, durante o chamado estirão do crescimento.
“Hoje em dia, a gente vê em crianças de quatro, cinco anos. A gente tem visto crianças muito pequenas já míopes e com miopias altas”, alerta. Ela ressalta que ficar míope não é só ter de usar óculos ou lente de contato para corrigir a visão de longe, pois essa condição ocular vai aumentar a probabilidade de ter descolamento de retina, degeneração macular e hidrópica, e glaucoma.
Uma vez que a criança seja diagnosticada com miopia, a recomendação é adotar meios para controlar a evolução do quadro, reduzindo também o risco das doenças oculares citadas acima. Algumas estratégias serão escolhidas conforme o perfil do paciente, mas o controle ambiental vale para todos. “O controle de telas e o aumento das atividades ao ar livre é mandatório para 100% dos casos”, enfatiza a médica.
“A gente leva em consideração alguns fatores para iniciar o tratamento no primeiro diagnóstico de miopia ou esperar para ver se vai evoluir ou não”, pondera. Entre as opções, que podem ser utilizadas a partir dos cinco anos, estão colírios de uso noturno, lentes de contato especiais e a ortoceratologia – uso noturno de lente moldadora da córnea. Todas as estratégias buscam controlar o crescimento axial do olho.
A oftalmologista recomenda que os pais levem seus filhos para avaliação anual e comenta que a maioria dos diagnósticos em seu consultório são feitos em acompanhamentos de rotina, sem que a criança tenha queixas ou seus responsáveis tenham notado alterações. A consulta torna-se fundamental quando são observados possíveis sintomas de miopia, a exemplo de piscar muito e se aproximar bastante dos objetos.
Carla afirma que a cirurgia refrativa para correção da miopia é extremamente segura, com baixíssimo risco de complicações quando bem indicada, mas só pode ser realizada a partir dos 21 anos, idade na qual o grau se estabiliza.
“Vista cansada” mais cedo pode estar relacionada a exposição às telas
O aumento no tempo de tela observado em todo o mundo, especialmente após o surgimento dos smartphones, também pode estar relacionado ao surgimento precoce de presbiopia, a popular vista cansada. Segundo o oftalmologista Otacílio Maia, do Hospital São Rafael, o mais habitual é que essa condição ocular se manifeste a partir dos 40 anos, mas os profissionais da área têm percebido sua aparição em pessoas mais jovens.
Maia comenta que essa influência do excesso de telas – celulares, tablets, monitores de computador – é uma possibilidade considerada pelos especialistas, mas não existem dados precisos sobre essa relação. Um aspecto citado por ele é que esse aumento no diagnóstico de presbiopia precoce também pode ser resultado da percepção antecipada das dificuldades para leitura de perto, possibilitada exatamente pelo hábito de leitura em telas.
“Algumas pessoas desenvolvem uma insuficiência de acomodação mais cedo, ou seja, esses músculos que trabalham para fazer o foco, de longe e de perto, acabam tendo uma perda da força mais precoce. Pode ser devido ao próprio uso, porque as causas realmente são pouco compreendidas ainda”, explica o especialista.
A explicação que pode ser relacionada ao uso de telas seria que as alterações na curvatura do cristalino, aceleradas por essa mudança contínua de foco perto/longe, facilitariam a perda antecipada de força nesses músculos. O que é consenso entre os oftalmologistas, ressalta o médico, é que a presbiopia é multifatorial, sendo influenciada sobretudo pela presença de outras doenças, a exemplo do diabetes.
A visão de quem tem presbiopia será corrigida com o uso de óculos, cuja atualização de grau geralmente acontece a cada dois ou três anos, e de lentes de contato. Para quem tem miopia ou hipermetropia, além das lentes de contato multifocais, Maia cita a chamada monovisão, na qual, um míope, por exemplo, usará uma lente para longe no olho dominante, enquanto o não dominante terá uma lente para perto.
Para minimizar o impacto das telas, o oftalmologista recomenda que a cada hora trabalhando com computador, a pessoa faça um descanso de cinco minutos olhando para o horizonte, mas se não houver um “horizonte” disponível, olhar para um quadro na parede cumpre a mesma função, desde que essa parede esteja a uma distância de pelo menos seis metros.
Fonte: A Tarde
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