Uma semana após a Rússia ter deixado o acordo que permitia o trânsito de navios ucranianos com grãos para exportação, a guerra no Leste Europeu se espalha pelo mar Negro, no episódio mais próximo de fronteiras da Otan, a aliança militar ocidental, desde que Vladimir Putin invadiu o país vizinho, há 18 meses.
Nesta terça-feira (25), o Ministério da Defesa russo afirmou que um de seus navios-patrulha, o Serguei Kotov, foi atacado por dois drones marítimos que seriam operados por Kiev. De acordo com o relato, eles foram destruídos a cerca de um quilômetro do barco russo, que disparou contra eles quando patrulhava uma área no sudoeste do mar, a 370 km da base da Frota do Mar Negro, em Sebastopol, na Crimeia.
Trata-se da primeira ação do tipo em meses, em um campo menos explorado da guerra. A Marinha ucraniana foi basicamente dizimada pelos russos, que por sua vez tiveram a mais simbólica perda no conflito quando Kiev afundou a nau-capitânia da frota de Moscou na região, o cruzador pesado Moskva, em abril de 2022.
O acordo de grãos, vigente desde julho do ano passado, reduziu bastante a atividade naval do conflito —a destruição do último navio de maior porte ucraniano pelos russos, em maio, foi o último incidente de relevo. Isso tende a mudar, até pela proliferação de drones marítimos de Kiev, como os utilizados contra a ponte que liga a Crimeia anexada à Rússia, trazendo novos riscos de expansão da guerra.
Exemplo disso ocorreu na segunda-feira (24), quando os russos bombardearam pela primeira vez terminais de grãos em dois portos no estuário do Danúbio, Izmail e Reni. Foi o ataque mais próximo do território de um membro da Otan durante toda a guerra: essas cidades só têm o rio a lhes separar da Romênia, integrante da aliança militar. Em alguns trechos, menos de 200 metros entre as margens.
Até aqui, dois incidentes haviam deixado o Ocidente de cabelo em pé. No primeiro mês de conflito, os russos atingiram uma base de treinamento a 25 km da fronteira da belicosa Polônia. Em novembro, um míssil antiaéreo ucraniano acabou caindo no território polonês, matando duas pessoas. Houve também o caso inusual de um drone ucraniano que caiu na Croácia, após voar sobre Moldova e Romênia.
Com a eventual proliferação de ataques no mar Negro, que tanto Moscou quanto Kiev declararam bloqueado ao dizer que considerariam qualquer navio suspeito de transporte militar com o fim do pacto de grãos, os riscos de um erro de cálculo se multiplicam. A região já viu um drone americano ser derrubado por um caça russo neste ano e diversos incidentes entre forças de Moscou e da Otan nos últimos anos.
Até então, a Rússia havia focado ataques à infraestrutura portuária ucraniana mais ao norte, na região de Odessa. O eventual escoamento da produção pelo estuário do Danúbio no mar Negro, junto às águas da Romênia, é mais caro, mas em tese mais imune a ataques —não mais. Putin diz que só volta ao arranjo se o Ocidente respeitar a contrapartida ao acordo, a facilitação da exportação de grãos e fertilizantes russos.
A Turquia, mediadora com a ONU do pacto de grãos e também membro da Otan, afirmou que os países ocidentais deveriam ouvir o líder russo. Nesta terça-feira, após um encontro entre Putin e o ditador belarrusso, Aleksandr Lukachenko, o Kremlin reafirmou que não pretende retornar voluntariamente ao acordo. O FMI (Fundo Monetário Internacional) estimou que o preço global dos produtos deve subir de 10% a 15% devido à crise no médio prazo.
Enquanto isso, os combates prosseguem. Kiev afirma que sua contraofensiva fez alguns ganhos incrementais no sul ucraniano e na região de Bakhmut, no leste. Já os russos disseram ter repelido novamente ataques, além de terem prosseguido com sua própria ofensiva no norte de Donetsk (leste) e em Kharkiv (nordeste), mas com intensidade bem menor do que a propagandeada na semana passada.
Ao que tudo indica, tanto Moscou quanto Kiev podem ter exagerado, com motivações diversas, as ações russas. Os ucranianos falaram na maior concentração de tropas desde a invasão de 2022, com 100 mil militares de Putin, mas o que se viu até aqui não corrobora isso.
Mais ao sul, em Zaporíjia, a AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica) afirmou ter detectado minas terrestres antipessoais no perímetro externo da usina nuclear homônima, a maior da Europa. O diretor-geral do órgão, o argentino Rafael Grossi, não disse o que parece óbvio, que elas são russas, mas condenou a ação ainda que afirmando não haver risco para os reatores.
Os operadores russos da usina, ocupada em março de 2022, disseram ter desligado de vez 2 dos 6 reatores do local, que não está produzindo energia
Fonte: Folha de São Paulo
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