Cem dias após o atentado terrorista coordenado pelo Hamas contra Israel, em 7 de outubro, o Oriente Médio vive um acirramento de tensões, com o conflito na Faixa de Gaza rompendo as barreiras do enclave palestino e ameaçando se expandir pela região. Com o envolvimento cada vez mais intenso de grupos de países vizinhos, como Líbano e Iêmen, e países como Estados Unidos e Irã tentando exercer influência sobre as partes diretamente implicadas na guerra, autoridades israelenses e palestinas demonstram um rara concordância ao avaliar que o conflito está longe de um desfecho definitivo.
A lembrança do atentado lançado pelo Hamas por terra, ar e mar — o pior em décadas contra o país, que vitimou 1,2 mil pessoas — permanece como uma ferida aberta no Estado judeu, enquanto militares israelenses seguem em operação no território palestino e 132 reféns capturados por terroristas no dia do ataque permanecem em cativeiros em Gaza. Israel estima que 25 dos reféns estejam mortos e que seus corpos são mantidos pelo Hamas e por grupos aliados, na esperança de trocá-los futuramente por prisioneiros (similar ao que aconteceu na Segunda Guerra do Líbano). Israelenses começaram no sábado um protesto de 24 horas de duração em Tel Aviv, pedindo o retorno dos reféns. Mais de 180 soldados israelenses morreram no confronto.
Em Gaza, o cenário é de destruição completa. A Organização das Nações Unidas (ONU) descreveu o enclave como “inabitável” no começo de janeiro, três meses após o início dos ataques israelenses. A estimativa é que por volta de 2 milhões de pessoas (em uma população de 2,3 milhões) tenham sido deslocadas pelo conflito. De acordo com o Ministério da Saúde de Gaza, administrado pelo Hamas, 23.843 pessoas, o equivalente a 1% da população, morreram em decorrência da guerra — a maioria menores de idade. Observadores internacionais como a Organização Mundial de Saúde (OMS) e a Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina (UNRWA) apontam que toda a população do enclave está sob risco de fome e de doenças, que se espalham cada vez mais rapidamente em um cenário onde a infraestrutura civil foi quase que totalmente destruída e há escassez de insumos básicos, como água potável.
Passado o baque inicial do atentado terrorista, Israel conseguiu desferir fortes golpes contra a cúpula do Hamas. Entre os nomes mais proeminentes do grupo eliminados por Israel, a baixa mais recente foi Saleh al-Arouri, número 2 do braço político do grupo, morto em um ataque aéreo em Beirute. Israel não confirmou oficialmente sua participação no ataque, mas mesmo aliados, como os EUA, afirmaram ver marcas do modus operandi israelense na operação. Após um avanço progressivo, que incluiu fases de cerco ao enclave, bombardeios aéreos e invasão por terra, os militares israelenses conseguiram varrer parte do território de Gaza, destruindo túneis subterrâneos do Hamas, incluindo alguns escondidos sob infraestruturas civis, e combatendo frente a frente os militantes do grupo. No começo do mês, autoridades militares informaram estar preparando as tropas para uma “nova fase” da guerra, menos intensa, substituindo as campanhas aérea e terrestre em larga escala por operações mais direcionadas a alvos específicos.
Pelo lado palestino, o Hamas tentou utilizar a ofensiva israelense — sobretudo o impacto à população civil — para denunciar o Estado judeu por violações de direitos básicos e tentar agregar apoio. Líderes do grupo no exterior lideraram a campanha política, enquanto células rebeldes tanto em Gaza quanto na Cisjordânia fizeram o enfrentamento direto aos soldados israelenses, incluindo em novos atentados terroristas no país vizinho, embora em escala bem menor que o primeiro. Em solidariedade ao Hamas, dois grupos armados entraram de modo direto na guerra: o Hezbollah, do Líbano, e os houthis, do Iêmen.
Ampliação do conflito
Embora o Hezbollah tenha subido o tom contra Israel, principalmente após o ataque contra o líder do Hamas em Beirute, o principal impacto internacional do conflito foi provocado pelas ações houthis no Mar Vermelho. O grupo lançou uma série de ataques com drones e barcos contra navios mercantes que trafegavam pela importante rota comercial. Os houthis afirmaram que as ações seriam direcionadas apenas a embarcações israelenses ou que aportassem no país, o que não foi suficiente para diminuir a sensação de insegurança generalizada. Em dezembro, os EUA anunciaram a criação de uma iniciativa de segurança multilateral para dissuadir as ações dos rebeldes, o que não impediu novos ataques. No fim desta semana, após um cargueiro americano ser atacado, EUA e Reino Unido, endossados por pelo menos oito países, bombardearam o Iêmen com o propósito de “desescalar” o conflito. Tanto os houthis como integrantes do chamado ‘Eixo da Resistência’ prometeram retaliação ou previram um agravamento da crise.
Além do aprofundamento do risco no campo bélico-militar, o conflito se expande também em outras frentes. Israel é alvo de uma investigação no âmbito do Tribunal Penal Internacional, pela morte de jornalistas no enclave palestino. O país também começou a se defender, nesta semana, de uma acusação de violar a Convenção das Nações Unidas sobre Genocídio, movida pela África do Sul — e apoiada por outros países, como o Brasil — na Corte Internacional de Justiça (CIJ), também em Haia. Autoridades israelenses já haviam previsto, há meses, que a janela de legitimidade do país para operar em Gaza se esgotaria com o passar do tempo, tentando ganhar terreno. Apesar do aumento da pressão, a cúpula do governo mantém o discurso de que a operação militar só vai ter um fim com a aniquilação do Hamas.
Em uma coletiva de imprensa televisionada, na véspera do conflito chegar ao 100º dia, Netanyahu mencionou a CIJ e a promessa de retaliação do Eixo da Resistência (a quem Israel chama de Eixo do Mal), para afirmar que nada nem ninguém iria interferir nos planos israelenses.
— Ninguém vai nos parar: nem Haia, nem o eixo do mal e nem ninguém. É possível e necessário continuar até a vitória e nós vamos fazer isso — declarou Netanyahu no sábado.
Fonte: O Globo
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