A vacinação infantil contra Covid no Brasil dá sinais de lentidão. De acordo com números oficiais do Ministério da Saúde, mais da metade das crianças que receberam a primeira dose de uma das vacinas contra Covid-19 nos primeiros meses do ano podem estar com a segunda dose atrasada.
Os dados mostram que 9,2 milhões de crianças iniciaram a vacinação nos primeiros meses da campanha, mas apenas 4,3 milhões completaram esse esquema de vacinação no prazo estipulado pelos fabricantes -de 28 dias entre doses para a Coronavac e de oito semanas para a Pfizer pediátrica.
Isso significa que 52,9% das segundas doses infantis contra Covid podem estar com aplicação atrasada -o que, de acordo com especialistas, pode comprometer a proteção da vacina.
As vacinas chegaram aos bracinhos infantis em janeiro -quase um mês depois da primeira autorização da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Começou com a Pfizer, aplicada em crianças de 5 a 11 anos a partir de 14 de janeiro. Depois foi a vez da Coronavac, que passou a ser ministrada de 6 a 17 anos a partir do dia 20 daquele mês.
A Folha de S.Paulo tabulou informações do DataSUS para verificar quantas crianças de 5 a 11 anos, que tinham registro de primeira dose no início da campanha vacinal, também tinham segunda dose no intervalo vacinal adequado.
Em 23 de abril -data estipulada como recorte nesta análise-, um conjunto de 3,8 milhões de crianças vacinadas com a primeira dose de Pfizer já deveriam ter, também, a segunda dose. Elas foram imunizadas com a primeira aplicação até o dia 22 de fevereiro. Os registros apontam, no entanto, que 59,3% delas não tinham registro de segunda dose no intervalo adequado.
No caso da Coronavac, na mesma data do recorte desta análise, 23 de abril, outras 5,4 milhões de crianças que foram vacinadas com a primeira dose até 28 dias antes -26 de março- também já deveriam ter registro da segunda dose. Os dados, no entanto, mostram que 48,34% delas ainda não tinham completado a imunização.
A baixa adesão das crianças à vacinação contra Covid e o abandono vacinal têm preocupado especialistas. Estudo publicado em fevereiro mostrou que acelerar a vacinação poderia evitar, de maneira significativa, mortes e internações de crianças de 5 a 11 anos.
“Com a volta às aulas e às atividades sociais, e com a circulação de variantes mais contagiosas, vacinar as crianças é essencial para conter a circulação do vírus e proteger as crianças contra Covid grave”, diz Natália Pasternak, microbiologista e pesquisadora da USP.
Pasternak tem sido um dos principais nomes à frente da defesa das vacinas para o enfrentamento da pandemia no Brasil. “É preciso também fazer campanhas e busca ativa para a segunda dose”, completa.
Em nota à Folha, o Ministério da Saúde disse que já distribuiu para estados e Distrito Federal o total de 21,3 milhões de vacinas para imunizar a população de 5 a 11 anos com a primeira dose e mais 18,7 milhões para a segunda dose.
“Desde o início da campanha de vacinação infantil, o quantitativo de doses é distribuído de maneira proporcional e igualitária, e pactuado de forma conjunta entre o Ministério da Saúde e representantes dos estados, municípios e DF”, diz a nota.
Questionado sobre campanhas de vacinação para atingir as metas das crianças, o ministério respondeu que “articulou ações de incentivo à vacinação, incluindo a veiculação de campanha publicitária na TV, rádio, mídia exterior e internet. Além disso, foram realizadas diversas matérias informativas no site da pasta, publicações nas redes sociais, além de entrevistas e coletivas de imprensa para esclarecimentos acerca do tema.”
“Devido à natureza tripartite do SUS, a Pasta esclarece que o incentivo à vacinação infantil também é de responsabilidade de estados e municípios,” conclui a nota.
As informações tabuladas pela Folha apontam, ainda, que a maioria dos registros de crianças que iniciaram a trajetória vacinal contra Covid nos primeiros meses da campanha, mas não voltaram para a segunda dose no prazo estipulado, estão no Norte do país.
Os dados de Rondônia, Roraima, Acre e Amapá apontam para mais de 70% de atrasos na segunda dose contra Covid no período analisado.
Distrito Federal, Rio Grande do Sul, São Paulo e Paraná são os únicos com menos de 50% de atrasos entre as doses, segundo os números oficiais.
Os dados do Datasus -sistema de informações do Ministério da Saúde- são alimentados pelos estados e municípios. Cabe ao Ministério da Saúde acompanhar e aferir os dados, bem como corrigir eventuais problemas no preenchimento. Essas informações balizam as políticas públicas de saúde no país.
De acordo com o Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19, os dados sobre vacinas devem ser atualizados no sistema federal até dois dias após a data de aplicação dos imunizantes. A Folha de S.Paulo considerou as informações que entraram no DataSUS até seis dias após a data de recorte desta análise (23 de abril). A extração das informações do DataSUS foi feita em 29 de abril.
O rastreamento dos vacinados no Brasil pode ser feito no DataSUS porque cada pessoa imunizada é registrada no sistema com um código de identificação, no qual há informações sobre data de nascimento, dose e lote da vacina recebida. Não há informações pessoais sobre cada vacinado que permitam identificá-lo.
No ano passado, a Folha de S.Paulo já tinha apontado atraso na segunda dose também dos adultos. Em abril de 2021, os registros mostravam que mais de meio milhão de pessoas que receberam a primeira dose da Coronavac no início da vacinação no Brasil não tinham registro da segunda dose do imunizante no prazo adequado entre doses.
Logo após a reportagem, o Ministério da Saúde anunciou em entrevista coletiva que ao menos 1,5 milhão de pessoas que tomaram a primeira dose da vacina contra a Covid desde o início da vacinação no país não completaram o esquema vacinal com a segunda dose.
Fonte: Folhapress
Comente esta matéria