Novas ondas de Covid-19 são motivadas por causas multifatoriais, incluindo características da circulação do vírus e do comportamento populacional. Nas últimas semanas, o Brasil registrou um aumento significativo no número de casos da doença causada pelo coronavírus.
Dados do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) divulgados no sábado (26) mostram que o país mantém uma média móvel de 22 mil casos diários. O índice, que avalia a média de casos dos últimos sete dias e permite o dimensionamento do cenário epidemiológico, é um dos maiores registrados desde agosto.
Estados de todas as regiões brasileiras registraram aumento de casos no início de novembro, frente ao mês anterior, de acordo com levantamento da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
Especialistas consultados pela CNN ajudam a contextualizar o aumento das infecções no país e fazem estimativas sobre o contexto da doença com a aproximação das férias e festas de fim de ano.
Impacto da variante Ômicron
Há exatamente um ano, em novembro de 2021, a Organização Mundial da Saúde (OMS) classificou a cepa Ômicron do coronavírus como uma “variante de preocupação”.
Evidências emergentes foram rapidamente compartilhadas por cientistas de Botswana, Hong Kong e África do Sul e discutidas em uma reunião especial do Grupo Consultivo Técnico para Evolução de Vírus (TAG-VE) da OMS.
Os especialistas presentes na reunião se preocuparam com o grande número de mutações presentes na variante, que diferia muito das outras cepas detectadas até então. Os primeiros dados mostraram a rápida disseminação da Ômicron em algumas províncias da África do Sul e um risco aumentado de reinfecção em comparação com as variantes que circulavam anteriormente.
Naquele momento, a OMS destacava que o mundo estava lidando com algo novo, diferente e para o qual deveria se preparar rapidamente.
Rapidamente, cientistas identificaram que a linhagem era significativamente mais transmissível do que a Delta, a variante de preocupação que predominava no mundo até então. Em 4 semanas, conforme a onda da Ômicron viajava pelo mundo, ela substituiu a Delta como a variante dominante.
Países que até aquele momento tiveram sucesso em manter o controle da Covid-19 por meio de medidas sociais e de saúde pública se depararam com dificuldades. Para os indivíduos, o impacto foi maior entre os que não foram vacinados, com aumento de hospitalizações e de mortes em vários lugares do mundo.
Até março de 2022, a OMS e seus parceiros estimavam que quase 90% da população global tinha anticorpos contra o coronavírus, seja por vacinação ou infecção natural.
No geral, porém, a nova variante causou doenças menos graves do que a Delta em média, o que intrigou cientistas. Segundo a OMS, uma série de fatores provavelmente desempenhou um papel importante, como o fato de que o vírus se replicou com mais eficiência nas vias aéreas superiores e a imunidade da população aumentou constantemente em todo o mundo devido à vacinação e a infecções.
Aspectos do vírus
A tendência de crescimento da Covid-19 no país ganhou força entre o final de outubro e o início de novembro, como lembra o pesquisador José Eduardo Levi, da Universidade de São Paulo (USP).
“Até hoje, todas as ondas de Covid-19 no país estiveram associadas a uma nova variante. Esse ano agora tem como peculiaridade que essas variantes são todas derivadas da Ômicron”, afirma. “A Ômicron original causou o pico de casos em janeiro, depois tivemos a BA.2, que é uma segunda Ômicron, que foi o pico em abril e maio. Depois, tivemos uma outra onda com pico em junho, causada pela BA.5, derivada de Ômicron”, descreve Levi.
Segundo o pesquisador, que também atua nas áreas de pesquisa e desenvolvimento da Rede Dasa, a nova onda da doença está relacionada a subvariantes derivadas da BA.5, incluindo a BQ.1 e outras duas: BA.5.3.1 e BA.5.2.1.
“A BQ.1 está tendendo a predominar a partir de novembro, devemos chegar ao fim do mês com 100% de BQ.1, apontam os dados de genômica e de exames de diagnóstico molecular da Dasa”, diz.
A BQ.1 carrega mutações em pontos importantes do vírus, como a proteína Spike, que podem contribuir para o aumento da transmissibilidade e na capacidade de infecção pelo coronavírus. A OMS estima que essas mutações adicionais tenham conferido uma vantagem de escape imunológico sobre outras sublinhagens circulantes da Ômicron, o que indica a necessidade de avaliação sobre um risco maior de reinfecção pela BQ.1.
“A Ômicron e suas subvariantes demonstraram sua capacidade muito efetiva de mudar geneticamente, de se replicar e ter erros nessa replicação e, com isso, formar vírus geneticamente diferentes que os fazem escapar da nosso sistema imune, ou seja, tanto pela infecção natural quanto pela vacinação. Nossos anticorpos deixam de reconhecer de uma forma plena essas subvariantes e, com isso, você consegue ter a infecção de uma forma leve, com uma capacidade muito grande de transmissibilidade, o que faz com que o vírus circule tanto”, afirma a médica infectologista Rosana Richtmann, do Hospital Emílio Ribas, de São Paulo.
Fator comportamental
Além das características intrínsecas do vírus, como uma maior capacidade de transmissibilidade das subvariantes em circulação, fatores comportamentais da população também podem contribuir para o aumento no número de casos.
“O aumento da circulação do SARS-CoV-2 no Brasil é multifatorial. Primeiro, nós flexibilizamos as medidas de controle. Segundo, nós tivemos eventos como, por exemplo, as eleições, que facilitaram o encontro entre pessoas. Terceiro, temos uma população com doses de reforço muito baixas”, avalia Rosana.
Dados do Programa Nacional de Imunizações (PNI) apontam que mais de 77 milhões de brasileiros não receberam a primeira dose de reforço das vacinas contra a Covid-19. Já 24 milhões de pessoas poderiam ter recebido a segunda dose de reforço contra a doença, mas ainda não se vacinaram.
O esquema de vacinação primário contra a Covid-19 contempla duas doses para a maior parte das vacinas disponíveis, incluindo as da Pfizer, AstraZeneca e Coronavac, aplicadas no Brasil.
O pesquisador da USP também afirma que o contexto das eleições no Brasil pode ter proporcionado o ambiente ideal para a transmissão do vírus.
“Toda onda é facilitada pelo componente comportamental. Aqui no Brasil, estimamos que tenham sido as aglomerações principalmente eleitorais, grandes comícios, que facilitam muito a disseminação de variantes que por si só já são mais transmissíveis, por que foram selecionadas em um ambiente de pessoas vacinadas e com exposição prévia inclusive à Ômicron”, diz Levi.
Sintomas comuns das novas variantes
O médico infectologista Álvaro Furtado, do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP), relata que tem sido observado um aumento no número de pacientes com suspeita de Covid-19. No entanto, Furtado ressalta que o número de internações não tem acompanhado o mesmo ritmo de crescimento das infecções, até o momento.
“Estamos observando um número maior de casos, mas a maioria sem gravidade. Os sintomas mais comuns são muito simples, como coriza e dor de garganta. Os pacientes não tem apresentado falta de ar ou critérios que indiquem a necessidade de internação hospitalar, com exceção de pessoas com alterações no sistema imunológico”, afirma.
A infectologista do Emílio Ribas também relata que os sintomas associados aos casos recentes tem sido semelhantes aos já identificados ao longo da pandemia.
“Em termos de sintomatologia das subvariantes da Ômicron – a BQ.1 e a BA.5 que são as mais comuns atualmente, eu diria que os sintomas são semelhantes ao que a gente sempre viu, mas a fadiga, o cansaço, chama muito atenção. O paciente pode ter coriza nasal, dor de garganta, dor de cabeça, febrícula, calafrio, mas o que realmente está chamando atenção dessa vez é esse cansaço”, diz.
O surgimento de novas variantes do coronavírus e o consequente aumento no número de casos apontam que, em momentos de alta circulação viral, pode ser necessário reforçar medidas de prevenção aprendidas ao longo da pandemia.
Os especialistas destacam que as medidas chamadas não farmacológicas reduzem os riscos da transmissão da Covid-19 e de outras doenças como a gripe e resfriados. Além do uso de máscara, medidas de higiene como a lavagem das mãos, o uso de álcool gel e distanciamento de pessoas sintomáticas contribuem para reduzir os riscos da infecção.
“Nos momentos de onda, é melhor voltar com essas medidas de prevenção“, diz Levi. “Com a aproximação das festas de fim de ano, é fundamental sempre pensar, em primeiro lugar, nos idosos, pessoas com mais de 70 e 80 anos, principalmente. Para que elas usem máscara e fiquem a certa distância. Além disso, que esses eventos, na medida do possível, aconteçam em ambiente arejado, a céu aberto, aquilo que falamos ao longo de toda a pandemia”, conclui.
Fonte: CNN
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