Os ponteiros do relógio marcam sete horas da manhã, mas quem se desafia a colocar os pés para fora de casa leva um susto. O bafo de ar quente dá a sensação de que o sol está a pino mesmo nas primeiras horas do dia. “Um sol para cada cabeça”, em bom baianês. Nesta semana, a Bahia registrou a maior temperatura do ano e a onda de calor vai continuar castigando a população de 199 cidades até sexta-feira (29). Isso tudo e o verão ainda nem começou. Mas afinal, as mudanças climáticas, assunto tão falado na atualidade, têm relação com as altas temperaturas ou elas são mais um fenômeno natural do planeta?
A resposta é: nem tanto nem tão pouco. Isso porque a onda de calor está associada a fatores naturais, como os bloqueios atmosféricos e o El Ninõ (aquecimento das águas do pacífico). Mas há um consenso entre especialistas que o aquecimento global contribui para o aumento da frequência de eventos climáticos extremos. Uma cidade é afetada pela onda de calor quando registra temperatura 5ºC acima da média por, pelo menos, três dias.
Quando acordou na terça-feira (26), Sabrina Naila, de 23 anos, não sabia que enfrentaria o dia mais quente do ano na Bahia. Mesmo sem se dar conta dos 41,6ºC registrados nos termômetros de Bom Jesus da Lapa, os indícios de que a temperatura estava acima do normal eram evidentes. “Eu acordei por volta das sete horas com bastante calor e sentei na área mais arejada da casa para trabalhar no notebook”, conta. Ao longo do dia, a sensação piorou.
“Tentei descansar depois do almoço, mas não teve como. O vento do ventilador estava muito quente que sufocava, a cama estava pelando, a sensação era de um forno”, diz a publicitária. Mesmo para quem nasceu na cidade e está acostumado com as altas temperaturas, o clima surpreende. A percepção de que a cada ano faz mais calor é validada por estudiosos do clima. O inverno deste ano foi um dos mais quentes de 1961, de acordo com Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet).
A bióloga e ativista do clima Carolina Borges explica que o aquecimento global, resultado do acúmulo de gases de efeito estufa na atmosfera, aumenta a frequência de eventos extremos. Nesse bolo não entram apenas ondas de calor, mas ciclones e as fortes chuvas que atingiram o sul da Bahia em dezembro de 2021. Na ocasião, mais de 160 cidades ficaram sob alerta da Defesa Civil.
“São várias situações de calamidade que vemos no Brasil e no mundo, o que chamamos de eventos climáticos extremos. Não é como se eles nunca tivessem acontecido, mas estão ficando mais frequentes e intensos”, analisa Carolina Borges, que faz parte do Fórum Clima Salvador. O oeste baiano é a região do estado mais afetada pelo bloqueio atmosférico e onde os moradores enfrentam as maiores temperaturas durante a onda de calor.
Em Barreiras, os termômetros chegaram a marcar 40,2ºC, durante a semana, para o desespero da pedagoga Elaine Kedma, de 45 anos. “Tenho evitado ao máximo sair de casa. Não tenho ânimo para estudar e a cabeça dói com mais frequência”, comenta. “Nasci aqui e sinto que a cada ano o calor aumenta. Quando eu era criança, o clima era melhor e tínhamos mais locais com água em abundância”, lamenta.
Correntina (41,2ºC), Ibotirama (40,9ºC) e Formosa do Rio Preto (39,9ºC) também registraram altas temperaturas graças ao bloqueio climático. Enquanto isso, a proximidade do mar livra cidades litorâneas que não estão na rota da onda de calor. Na capital, a temperatura máxima registrada na terça-feira (26) foi 29,4ºC.
“As ondas de calor estão associadas a padrões atmosféricos que atuam sobre uma grande área e favorecem uma condição de estacionariedade dos sistemas meteorológicos”, explica Aldírio Almeida, meteorologista do Instituto do Meio Ambiente e Recurso Hídricos (Inema). Além da Bahia, outros dez estados e o Distrito Federal são atingidos com as temperaturas extremas. Na sexta-feira (29), o avanço de uma frente fria vindo do sul do país deve, enfim, conseguir romper o bloqueio.
A previsão é que as temperaturas fiquem mais amenas a partir da segunda quinzena de outubro. “A condição só volta a normal quando o período chuvoso tiver início, entre outubro e novembro. Até lá teremos cidades registrando temperaturas entre 37ºC e 40ºC na Bahia”, garante Cláudia Valéria, meteorologista do Inmet.
Ondas de calor são caminho sem volta?
O aumento da temperatura em cidades baianas não é um evento isolado. Para evitar que as ondas de calor se tornem cada vez mais intensas e duradouras, um esforço coletivo precisa ser realizado. As ações incluem políticas públicas, determinações de empresas privadas e consciência individual tendo em vista dois pilares: adaptação e mitigação.
“É preciso colocar em prática ferramentas para conseguir adaptar as cidades e comunidades para que elas sofram menos com os impactos dos eventos climáticos extremos que vão acontecer”, explica Carolina Borges. Cidades mais adaptadas às ondas de calor possuem mais espaços verdes e construções que favoreçam a ventilação, por exemplo.
“Mitigação é combater ao máximo o aquecimento global a partir da redução da emissão de gases dos efeitos estufa”, completa. Apesar de os países em desenvolvimento serem os mais afetados pelos eventos extremos, historicamente, o norte global é responsável pela maior emissão dos gases poluentes.
O Sexto Relatório de Avaliação do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), que teve contribuição de 278 cientistas e foi publicado neste ano, listou quais ações devem ser colocadas em prática para evitar os piores impactos climáticos. Entre elas estão: expansão do uso de energia limpa, incentivo a construções verdes e conservação de ecossistemas naturais.
Dez cidades baianas com as maiores temperaturas
(Dados de terça-feira, 26, coletados no site do Inmet)*
- Bom Jesus da Lapa (41,6ºC)
- Correntina (41,2ºC)
- Ibotirama (40,9ºC)
- Barreiras (40,2ºC)
- Formosa do Rio Preto (39,9ºC)
- Buritirama (39,9ºC)
- Santa Rita de Cássia (39,4ºC)
- Guanambi (39,3ºC)
- Barra (39ºC)
- Luís Eduardo Magalhães (37,9ºC)
Fonte: REDEBAHIA
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