No início de março, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou o registro da Qdenga, uma nova vacina contra a dengue produzida pela farmacêutica Takeda. A liberação do imunizante, destinado a um público amplo, fez crescer a expectativa de que a epidemia da doença transmitida pelo mosquito Aedes aegypti chegue ao fim.
Especialistas ouvidos pelo Metrópoles acreditam que a vacina será uma ferramenta importante no controle da doença tão impactante para o país, mas afirmam que a epidemia de dengue só será resolvida com um planejamento cuidadoso da implementação do imunizante.
“É possível pensar, em um horizonte distante, que a dengue possa ser controlada pela vacina”, afirma o vice-presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) Cláudio Maierovitch, pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Brasília.
Fatores como o custo e disponibilidade das doses podem interferir neste caminho. Uma estratégia interessante seria começar a vacinação pelas regiões com maior transmissão do vírus e por grupos mais vulneráveis à infecção e considerar outras opções de imunizantes, como a vacina em desenvolvimento pelo Instituto Butantan.
Maierovitch acredita que a incorporação de outras vacinas, como a do Butantan, possibilitaria um aumento das doses disponíveis, além de diminuir os preços. “Estamos falando de concorrência no mercado e um laboratório público que não precisará pagar pelo uso da tecnologia”, avalia. Em um cenário ideal, os dois imunizantes seriam usados na campanha vacinal.
O vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), Renato Kfouri, não acredita que a aprovação da Qdenga, sozinha, seja suficiente para controlar a epidemia de dengue no Brasil. “Não há nenhuma expectativa que a vacina acabe com a doença, até porque não haverá doses para todos e, mesmo que tivesse, nós não conseguiremos coberturas elevadas. Não adianta colocar para uma idade onde as pessoas não se vacinam, como por exemplo os adultos”, pondera.
O imunizante aprovado demonstrou alta proteção contra os quatro sorotipos do vírus em testes clínicos. Ele se diferencia da vacina aprovada anteriormente, a Dengvaxia, por poder ser aplicado em qualquer pessoa com idade entre 4 a 60 anos, independentemente se elas tiveram contato com o vírus anteriormente.
“A imunização com a Dengvaxia é complexa. Ela requer um teste de pré-vacinação para saber se o indivíduo já foi exposto ao vírus da dengue, o que praticamente inviabiliza a utilização em programas públicos”, afirma Kfouri.
Habitualmente, o processo de incorporação de uma vacina ou medicamento ao Sistema Único de Saúde (SUS) começa com um pedido da fabricante. No caso da Qdenga, a demanda foi excepcionalmente invertida. Foi o Ministério da Saúde quem solicitou os documentos para a empresa, devido ao cenário epidemiológico do país.
A pasta aguarda a entrega dos dados para que a possibilidade de compra das vacinas seja avaliada pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec).
Nessa análise, ainda sem data ou prazo estabelecido, a Conitec considera aspectos como eficácia, efetividade, segurança e impacto econômico da nova tecnologia com base nas melhores evidências científicas disponíveis.
“A inclusão da vacina para controle da dengue no SUS é prioridade do Ministério da Saúde, que monitora atentamente o cenário epidemiológico das arboviroses no país”, informa a pasta ao Metrópoles.
Maierovitch sugere que a vacinação ocorra de forma escalonada, à medida que as doses sejam disponibilizadas. “É possível pensar em uma introdução gradual, que comece pelas localidades com alta incidência de dengue e que se repita todos os anos”, diz.
Para Kfouri, uma das prioridades precisa ser a realização de um estudo para entender quais faixas etárias devem ser priorizadas para obter o melhor impacto no controle da doença.
Dados do Ministério da Saúde mostram que a região com maior incidência de transmissão do vírus em 2023 é a Centro-Oeste, com 254,3 casos a cada 100 mil habitantes. Em seguida, aparecem as regiões Sudeste e Sul, com 214,7 e 98,2 casos a cada 100 mil habitantes, respectivamente.
A dengue ainda é uma doença que faz muitas vítimas no Brasil. Apenas em 2023, foram notificados 73 óbitos provocados pela infecção. Outros 64 seguem em investigação, de acordo com o Ministério da Saúde. O número total de casos cresceu 43,8% até março deste ano, em comparação com o mesmo período do ano passado.
“Em 2022, infelizmente batemos o triste recorde de número de óbitos e casos: passamos de mil mortes, com mais de 1,5 milhão de casos. É uma doença que tem sazonalidade perto das estações chuvosas, e há uma enorme dificuldade de controle do mosquito transmissor”, afirma Kfouri.
Entre as características que dificultam o controle da doença, o vice-presidente da SBIm destaca problemas no saneamento básico, lixões a céu aberto e muitas áreas em que é difícil fazer uma boa higiene do ambiente e, consequentemente, evitar a proliferação do mosquito através dos ovos.
Fonte: Bahia Notícias
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