Em busca de alertar as autoridades políticas sobre os riscos fitossanitários gerados com a importação de amêndoas de cacau, em especial da Costa do Marfim, a Associação Nacional dos Produtores de Cacau (ANPC), realizou uma manifestação na manhã desta segunda-feira, 27, na região portuária de Ilhéus (BA).
A instituição tem lutado contra a Instrução Normativa Nº 125 (IN125), publicada pelo governo passado, através do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) que permitiu a entrada do cacau africano no Brasil. A IN retirou a exigência fitossanitária para a importação das amêndoas do país africano, e ignora os riscos de trazer para o Brasil pragas e doenças quarentenárias (não existentes por aqui) como a Striga spp e a Phytoptora Megakaria, que poderiam contaminar a produção de cacau e de outras culturas como soja, milho, arroz, feijão, cana-de-açúcar e sorgo.
Muitos produtores da Bahia e também do estado do Pará aderiram à manifestação. A entidade contou com o apoio de deputados, prefeitos e secretários municipais para que as caravanas estivessem presentes no manifesto. “Estamos felizes com o resultado da manifestação. Nosso objetivo foi o de chamar atenção das autoridades dos graves riscos que estamos correndo caso essa IN125 não seja revogada”, explicou Vanuza Lima Barroso, presidente da ANPC.
Cacau africano, gosto amargo
O Brasil tem rígidas leis ambientais, muita fiscalização trabalhista, que fazem com que os produtores conduzam suas lavouras da forma mais sustentável possível. O mesmo não acontece com a produção africana. Nos países produtores de cacau da África, a mão de obra escrava e a exploração infantil nos campos cacaueiros são uma constante. “Nossa luta não é apenas comercial, como alguns têm dito. A produção africana utiliza mão-de-obra infantil e existem registros de trabalho análogo à escravidão nas lavouras. Isso é inadmissível. Comprar deles é compactuar com essa situação. Vergonhoso!”, desabafa Vanuza.
Quando se fala em sustentabilidade ambiental nos dias de hoje, não se pode esquecer que ela abrange três pilares: social, ambiental e econômico. Por isso, a ANPC tem deixado claro que a renda próspera do produtor é fundamental para se alcançar os objetivos de produção sustentável. “É muito bonito falarmos de sustentabilidade, mas sem o aspecto econômico, com um produtor remunerado de forma próspera, tudo se torna apenas palavras bonitas. A realidade é que as indústrias estão utilizando do drowback (a não incidência de impostos no cacau importado da África) para pagar mais barato pelo produto. Não podemos aceitar isso. O Brasil é autossuficiente na produção cacaueira, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Não há motivos de autorizar essa farra da importação como está ocorrendo”, disse a presidente da ANPC, que finalizou afirmando que a entidade tem agendas importantes nos próximos dias.
Associação Nacional das Indústrias Processadoras de Cacau (AIPC) também se manifesta, veja a nota na íntegra:
A Associação Nacional das Indústrias Processadoras de Cacau (AIPC) vem a público esclarecer alguns pontos em relação a manifestação – direito garantido pelo artigo 5º, inciso IV, da Constituição Federal Brasileira – que foi realizada, hoje, na região do porto em Ilhéus, Bahia, contra a chegada de amêndoas de cacau oriundas da Costa do Marfim.
A importação de amêndoas de cacau ocorre pois o Brasil não é autossuficiente na produção de amêndoas. As indústrias precisam recorrer à importação em razão do baixo volume da produção local de cacau, que não garante o abastecimento do mercado interno e externo. Assim sendo, o volume importado está em linha com o déficit local e foi feito na medida necessária para atender os clientes da Argentina, Chile, Estados Unidos, Canadá, entre outros.
Recentemente outros dois questionamentos foram levantados sobre a importação de amêndoas. Um diz respeito às medidas fitossanitárias e o receio destas terem sofrido uma violação devido à ausência da substância Brometo de Metila como medida de prevenção contra pragas em território nacional. O segundo questionamento se trata da diferença nos dados sobre o total de recebimento de cacau divulgado pela AIPC em comparação com os números de previsão de safra do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
No que diz respeito ao uso do Brometo de Metila, o Ministério da Agricultura (MAPA) já emitiu Nota Técnica informando não existir necessidade da utilização da substância como controle fitossanitário, pois as pragas regulamentadas pela IN 125/2021 são tratadas por fosfina. O Ministério ainda afirma que o risco é muito baixo para as pragas Striga spp (planta daninha) e Phytophthora megakarya (fungo) e, portanto, não justifica a regulamentação. Assegura também que até o momento não houve registro de interceptação dessas pragas nas importações da Costa do Marfim.
Toda carga de cacau, antes de ser embarcada no país de origem, passa por processo de beneficiamento, fermentação e secagem, bem como fumigação de fosfina, além de sempre serem utilizadas sacarias novas para o transporte das amêndoas da área de produção ao porto, e trocadas para novas sacarias para o embarque no navio. Ao chegar no Brasil é realizada a classificação, que determina a qualidade das amêndoas, e a análise fitossanitária, que avalia se existe alguma praga na carga. As cargas somente seguem para os armazéns das indústrias após essas análises. Desde a edição da IN 125/21 não tivemos cargas desclassificadas ou com alguma suspeita de praga.
Já em relação à diferença nos dados sobre o recebimento de cacau divulgado pela AIPC em comparação com os números de previsão de safra projetados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), temos o seguinte a esclarecer: A pesquisa divulgada pelo IBGE apontou que em 2021 o Brasil produziria 302 mil toneladas de cacau. Contudo, o levantamento realizado pela AIPC mostra que as indústrias processadoras receberam naquele ano 197.657 toneladas de amêndoas de cacau oriundas de produtores brasileiros.
Assim sendo, é importante ressaltar que o IBGE é um órgão destinado a produzir estimativas de produção com bases amostrais. Os dados divulgados pela AIPC são relativos a números consolidados do recebimento das indústrias. Ou seja, trata-se do número efetivo dos volumes vendidos para as três indústrias moageiras associadas à entidade, Barry Callebaut, Cargill e Olam, a Dengo e a IBC. Não estão contabilizados nesses números os valores recebidos por outras indústrias de pequeno porte e produções independentes de chocolate tree to bar e bean to bar, que não correspondem 10% do consumo nacional de amêndoas.
Todas as cargas recebidas pelas indústrias moageiras possuem nota fiscal, o que garante que os números sejam consolidados e auditáveis de forma confiável e transparente. A consultoria Campos Consultores, responsável pelo sistema SINDIDADOS de inteligência de mercado, é responsável por coletar e consolidar os referidos.
Importante ressaltar que o IBGE é um órgão de suma importância e presta um serviço relevante ao país. Qualquer diferença entre os dados é fruto de diferentes metodologias e modelos de pesquisas. Por isso, a cadeia produtiva do cacau, por meio da Câmara Setorial do Cacau do Ministério da Agricultura, criou um grupo de trabalho para discutir possíveis alternativas para oferecer informações que ajudem a aperfeiçoar o trabalho realizado pelo Instituto de pesquisa, para que os números possam refletir a realidade da produção brasileira. Além disso, em mais de uma oportunidade o Ministério da Agricultura apresentou a meta de que o Brasil se torne autossuficiente em 2026 com a produção de pelo menos 300 mil toneladas.
De acordo com a presidente-executiva da AIPC, Anna Paula Losi, uma produção brasileira acima de 300 mil toneladas representaria a autossuficiência do país, podendo alçar o país ao patamar de exportador. “Se o Brasil produzisse esse volume, a indústria não importaria amêndoas de cacau e muito provavelmente a importação de derivados também cairia drasticamente”, explica. Ela ressalta que a AIPC, assim como suas associadas, possui total interesse em ver o Brasil verdadeiramente autossuficiente em cacau sustentável, o que geraria além de maior estabilidade e previsibilidade para o setor, oportunidades ainda maiores no âmbito nacional.
Reforçamos ainda que as indústrias, moageiras e chocolateiras, possuem programas para ajudar, capacitar e auxiliar o produtor brasileiro na adoção de práticas modernas e cada vez mais sustentáveis ao seu processo. Nos últimos 5 anos foram investidos mais de R$130 milhões nesses programas, e a previsão para os próximos 5 anos é de triplicar esse valor, alcançando mais de R$400 milhões, fora os investimentos via a iniciativa CocoaAction Brasil. As indústrias reforçam seus compromissos com o produtor brasileiro, pois um campo forte, pujante, técnico e responsável é a força motriz para o sucesso da cadeia, levando a excelência do Brasil na produção agrícola.
Fonte: ANPC e AIPC
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