Quem tem diabetes deve ter um cuidado especial em relação aos ferimentos em regiões inferiores do corpo, a exemplo do pé, que pode resultar em amputações. De acordo com o Ministério da Saúde, somente nos três primeiros meses de 2023, o Sistema Único de Saúde (SUS) registrou 5 mil amputações em decorrência do diabetes, média de 55 casos por dia. Em todo o ano de 2022, foram 19,4 mil, número 4,3% maior que em 2021 (mais de 18,6 mil).
Segundo a Sociedade Brasileira de Angiologia e Cirurgia Vascular (SBACV), a partir de dados coletados do Ministério da Saúde, entre os anos de 2020 e 2021, 18.631 nordestinos foram submetidos ao processo de amputação ou desarticulação de membros inferiores. Isso significa que a média mensal de procedimentos chegou a 776,29 durante a pandemia. Especialistas dizem que mais da metade dos casos de amputações envolvem pessoas com diabetes. Do total, 21.069 procedimentos foram feitos na Bahia.
De acordo com a ortopedista Tania Szejnfeld Mann, especialista em cirurgia do pé e tornozelo, entre os principais fatores que podem levar à amputação estão o diabetes mal controlado e a perda de sensibilidade dos membros inferiores do corpo (neuropatia), que podem deixar o paciente suscetível a ferimentos e, por consequência, formar infecções. “Eles [diabéticos] podem ter mais dificuldade de sentir o chão, por exemplo, se entra uma pedrinha no calçado ou se, ao cortar a unha, ele eventualmente se machuca”, diz.
Jorge Luis Teixeira Ramos, de 61 anos, foi diagnosticado com diabetes há mais de 30, durante uma avaliação periódica na empresa onde trabalhava, e foi em busca de tratamento. A irmã, que era médica cardiologista, indicou uma série de exames e, depois disso, ele começou a fazer o uso de medicamentos. No entanto, teve que passar por uma cirurgia em 2018 para amputar os dedos do pé esquerdo, após contrair uma bactéria. Já em 2023, teve que amputar parte do mesmo pé.
Depois dos procedimentos, o paciente foi submetido a mais duas cirurgias, desta vez no tornozelo e na perna esquerda, após o médico ter alertado que a cirurgia evitaria uma amputação total. Foram quatro cirurgias em apenas 20 dias. “O processo foi doloroso, pois sempre fui muito ativo e independente”, diz Jorge.
A nutricionista Viviane Sahade, que também é professora da Escola de Nutrição da UFBA e atua nas áreas de doenças cardiovasculares e diabetes, afirma que a amputação acontece em um estágio mais avançado da doença. “O indivíduo vai apresentar a neuropatia diabética, então ele começa a ter a perda da sensibilidade dos membros inferiores, porque é caracterizada como uma doença dos nervos e, se não houver ajuda adequada, vai evoluindo”.
A ortopedista Tania Szejnfeld salienta que a dificuldade na cicatrização de feridas no pé diabético pode ser uma porta de entrada para infecções. “As feridas difíceis de cicatrizar nos pés são os principais elementos que acabam formando úlceras, e isso deixa o indivíduo mais sujeito a ter infecções, que podem evoluir. Essa infecção pode estar localizada em um dedo, uma falange ou em todo o pé, o que vai levar a amputações”.
Tania Szejnfeld reforça que, em alguns casos, a amputação é uma forma de salvar a vida do paciente, quando o uso de antibióticos e curativos para restabelecer a pele íntegra já não é suficiente. “Quando há uma infecção que já esteja acometendo planos profundos, como o osso ou os tendões e tecidos que são vitais, a amputação serve para tirar a parte que já está muito comprometida, com o objetivo principal de fechar a pele e controlar a infecção”, afirma.
Cuidados com o pé diabético
A ortopedista fala sobre a importância de seguir as recomendações do médico para cuidar dos ferimentos. “Infelizmente não é incomum os indivíduos com diabetes passarem por uma amputação e, por não terem os cuidados necessários com a pele, a glicemia e a alimentação, acabam formando outras feridas nos pés ou na perna e são submetidos a novas amputações”.
A especialista destaca que, para evitar o procedimento, é fundamental ter alguns cuidados, entre eles não fazer manipulação das unhas (cortar, tirar cutícula), porque a pessoa diabética pode não ter a sensibilidade adequada.
A enfermeira Onsli Almeida trabalha há mais de 12 anos na área de tratamento com pessoas diabéticas e atua na unidade Salvador da Clínica Ottobock, especializada na reabilitação de pessoas amputadas ou com mobilidade reduzida. Ela alerta também para os cuidados com o pé que não está infectado. “É preciso orientar a hidratação da pele do paciente, o uso de calçados adequados e os cuidados locais com a ferida, que vai depender do tipo de tratamento”.
Reabilitação
A reabilitação com o uso de próteses é uma das soluções para os pacientes amputados retomarem a motricidade (conjunto de funções nervosas e musculares que permitem os movimentos do corpo) e, nos casos como o de Jorge Luís, a autoestima. “O processo de concessão pelo governo demora. Procurei a Ottobock para agilizar o processo. Tive benefícios totais, você ganha confiança e é muito bom voltar a andar de novo”, relata Jorge.
A enfermeira Onsli Almeida diz que o primeiro passo para saber a gravidade do estado do pé diabético é fazer o rastreamento de risco. “A partir da avaliação de um profissional, poderá ser definida a conduta mais assertiva para esse paciente, atendendo o tratamento e a prevenção de novas complicações”, explica.
Além disso, ela afirma que a reabilitação é uma consequência do diagnóstico que o profissional habilitado vai fazer sobre o paciente. “O rastreamento de risco, que avalia o tipo de úlcera ou complicação que o paciente desenvolveu, vai definir a melhor conduta, se preventiva, de tratamento ou de reabilitação”.
A diabetes
Viviane Sahade explica que existem dois tipos de diabetes: o tipo 1 e o tipo 2. Segundo a nutricionista, o diabetes mellitus tipo 1 tem relação com a autoimunidade do indivíduo, podendo este já nascer com a doença. Já o diabetes mellitus tipo 2 tem correlação com a questão genética e ambiental, atingindo sobretudo indivíduos que têm excesso de peso, ingerem alimentos com maior densidade calórica e não praticam atividade física.
O diabetes é uma doença silenciosa e não tem cura . Segundo dados do último Atlas da Federação Internacional de Diabetes, em parceria com a Organização Mundial da Saúde, ela atinge 16 milhões de pessoas entre 20 e 79 anos, e cerca de 50% desse contingente não sabe que tem a doença. Ainda de acordo com o relatório, em 2021 o Brasil possuía 15,7 milhões de pessoas com diabetes, um crescimento de 3,3 milhões em 10 anos.
A princípio, o diabetes não tem causas específicas mas, de acordo com a ortopedista Tania Szejnfeld, a doença é causada pela resistência periférica à insulina, que ocorre quando o indivíduo tem uma alimentação rica em carboidratos e açúcares, como gorduras e frituras, que aumenta a glicemia do sangue e, com o tempo, atrapalham a produção de insulina pelo pâncreas, que é a incapacidade que o indivíduo tem de produzir a insulina suficiente para retirar o açúcar do sangue.
A enfermeira Onsli Almeida alerta para a importância do diagnóstico precoce. “A pessoa precisa ter consciência do diabetes, para fazer o tratamento adequado e, se necessário, com medicações. Ele será orientado a partir da avaliação profissional”, diz.
Estilo de vida saudável
Viviane Sahade diz que a alimentação adequada é um dos principais pilares para ter o controle do índice glicêmico, que deve ser de até 120, de acordo com a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM). Para isso, é necessário evitar alimentos ultraprocessados.
“É indicado que os indivíduos tenham uma alimentação com baixa concentração de carboidrato ou consumam carboidratos de absorção lenta, para que não eleve a glicemia, e tenham um aporte adequado da ingestão de proteína e gordura. Para isso, é preciso ter uma alimentação o mais natural possível, tendo em vista as especificidades de cada paciente”, pondera.
Segundo a nutricionista, ajudam a controlar a glicemia os elementos ricos em fibras, como cereais integrais, aveia e linhaça, além da casca da maçã e o bagaço da laranja, mamão, manga, verduras, hortaliças e legumes. “A fibra lentifica a absorção do carboidrato, porque se busca que a pessoa com diabetes se alimente, mas que a elevação da glicemia ocorra de maneira lenta para não ter um pico de elevação glicêmica”.
Aliado à alimentação, está o exercício físico. Assim como a fibra, a nutricionista diz que a prática de atividade física faz com que o corpo absorva mais rapidamente o carboidrato que está circulando e, com isso, os níveis de glicose tendem a cair e evitar a resistência periférica da insulina, uma das principais causas do diabetes mellitus tipo 2.
“O exercício físico atua como se fosse uma injeção de insulina a mais. Já para quem usa comprimido, é como se potencializasse a ação da medicação. Quando a pessoa pratica exercício, o corpo fica sensível à captação de glicose, como se fosse uma esponja, assim os níveis de glicose tendem a cair. Pessoas que praticam exercício físico regularmente tendem a apresentar menor resistência à ação da insulina, ou seja, são indivíduos que respondem mais rápido a doses mais baixas de insulina”, afirma.
O consumo de alimentos ricos em açúcares é algo que as pessoas diabéticas preferem abolir da dieta, mas a nutricionista pondera que essa questão depende da situação de cada pessoa. “O indivíduo diabético que não tem nenhum tipo de comprometimento vai para um aniversário e pode comer um brigadeiro, uma fatia de bolo e depois controlar com a dose de insulina ou comprimido. Vai haver uma elevação mas, no dia seguinte, ele também pode equilibrar melhor com alimentação saudável e o exercício físico. Já tem paciente que não pode”, diz.
Fonte: A Tarde
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