A eleição presidencial argentina considerada a mais importante desde que o país recuperou sua democracia, em 1983, ocorreu neste domingo cercada de incertezas, diante do ineditismo de um cenário com três candidatos competitivos, e terminou com uma surpreendente reviravolta do peronismo, que conseguiu recuperar-se na reta final de um cenário em que nem sua passagem ao segundo turno estava garantida.
Apesar do favoritismo de Javier Milei, ultraliberal radical, que poderia de acordo com as pesquisas prévias liquidar a disputa de forma definitiva já ontem, o país terá um segundo turno: com 98,51% das urnas apuradas, os argentinos voltarão às urnas em 19 de novembro para escolher quem comandará o país nos próximos quatro anos: Milei ou o peronista Sergio Massa, atual ministro da Economia que tinha o desafio de conquistar a confiança do eleitor com uma inflação de 140% este ano.
A contagem dos dados oficiais indicava Massa em primeiro lugar, com 36,68% dos votos, seguido de Milei, com 29,98%. Num desempenho que surpreendeu analistas, Massa subiu 15 pontos percentuais em relação às primárias, enquanto Milei permaneceu estacionário. Em um distante terceiro lugar aparecia a candidata da aliança de centro-direita Juntos pela Mudança, Patricia Bullrich, que ficou com 23,83%.
A contagem apresentada horas após o fim da votação é provisória, com números contabilizados e divulgados pela Direção Nacional Eleitoral (Dina), do Ministério do Interior. O resultado oficial será conhecido apenas dentro de alguns dias. Nas Primárias Abertas Simultâneas e Obrigatórias (Paso) de 13 de agosto, Milei ficou em primeiro lugar em 16 dos 24 distritos eleitorais do país. O cenário para o segundo turno, segundo diversas fontes, é o de uma eleição sem favoritos, cujo resultado dependerá das alianças que ambos conseguirão selar.
Apesar do discurso de Milei ganhar tração com a forte crise econômica e social da Argentina, Massa, que representa o governo peronista que fez a inflação voltar a disparar, soube aumentar a rejeição ao ultraliberal e suas propostas como encerrar os ministérios da Educação e Saúde e cortar todos os subsídios no país.
Fontes oficiais estimaram que a participação oscilou entre 74% e 76%, superando as Paso, quando 69% dos eleitores foram votar. Isso significa que cerca de 1,5 milhão de argentinos que não votaram nas primárias, ontem decidiram se envolver no processo eleitoral. No primeiro turno da eleição presidencial de 2019 a participação foi de 81%.
Os três principais candidatos do pleito votaram num clima de tranquilidade, e, nos três casos, confiantes. Como disse um dos principais assessores do candidato da ultradireita, Javier Milei, o veterano político Guillermo Francos, “sempre soubemos que estaríamos no segundo turno, nunca pensamos em ganhar no primeiro”. No entanto, Milei encerrou sua campanha na quarta-feira apostando numa vitória contundente que, afinal, não aconteceu — para vencer no primeiro turno, são necessários 45% dos votos, ou 40% com mais de dez pontos percentuais em relação ao segundo colocado.
O candidato da ultradireita, que em 2021, quando foi eleito deputado, fundou o partido A Liberdade Avança, votou no bairro portenho de Almagro. Ontem, o economista e primeiro outsider a disputar a Presidência argentina com chances reais fez 53 anos.
— É um feito histórico — celebrou Milei sua passagem para o segundo turno, já acenando para os eleitores de Bullrich. — Além das nossas diferenças, estamos diante de uma organização criminosa. O kirchnerismo é o pior. Todos que queremos uma mudança temos de trabalhar juntos.
O candidato da ultradireita, que em 2021, quando foi eleito deputado, fundou o partido A Liberdade Avança, votou no bairro portenho de Almagro. Ontem, o economista e primeiro outsider a disputar a Presidência argentina com chances reais fez 53 anos.
— É um feito histórico — celebrou Milei sua passagem para o segundo turno, já acenando para os eleitores de Bullrich. — Além das nossas diferenças, estamos diante de uma organização criminosa. O kirchnerismo é o pior. Todos que queremos uma mudança temos de trabalhar juntos.
— Nosso país vive uma situação complexa, difícil, no entanto, acreditaram que éramos a melhor ferramenta para a partir de 10 de dezembro começar a construir uma nova etapa para a política argentina — frisou o ministro e candidato, que também já acenou aos eleitores de candidatos menores, prometendo um “governo de união nacional” e apelando “aos milhares de radicais que compartilham conosco valores democráticos”. — Meu compromisso é construir um país onde nossos filhos possam carregar um computador na mochila e não uma arma.
Bullrich disse estar satisfeita “com o que fizemos”. Seus assessores mantiveram durante todo o dia de ontem a expectativa de que a candidata conseguisse conquistar uma vaga no segundo turno, afirmando que Bullrich conseguiu crescer na reta final da campanha, quando finalmente atacou com firmeza o candidato da ultradireita. Na primeira fase da campanha, o principal alvo da candidata foi o governo e o kirchnerismo, em meio a escândalos de corrupção que respingaram em Massa.
Analistas que acompanharam a votação apontaram para duas tendências que consideraram importantes na eleição de ontem: eleitores que decidiram, na última hora, votar no candidato da ultradireita e não na candidata da aliança de centro-direita, por considerarem que Milei tem mais chances de vencer, um clássico exemplo de voto útil; por outro lado — e mais importante para entender a tendência apontada pelo resultado — a campanha do medo liderada pelo candidato peronista, que nas últimas semanas intensificou as declarações sobre o risco que Milei, segundo ele, representa para os que recebem ajuda estatal e para iniciativas como o subsídio a tarifas de serviços como transporte, teria tido impacto.
Depois de levar um susto nas primárias, o candidato do governo reformulou sua campanha e conseguiu colocar toda a máquina peronista a seu serviço, principalmente na província de Buenos Aires, onde o governador kirchnerista, Axel Kicillof, teria sido reeleito e onde vivem 38% dos eleitores argentinos. Paralelamente, Massa, como ministro, anunciou benefícios tributários, bônus extraordinários para servidores e aposentados, injetando bilhões de pesos na economia.
A campanha do medo foi reforçada por uma estratégia bem sucedida de viralizar vídeos polêmicos de Milei sobre livre porte de armas, compra e venda de órgãos e privatização da educação, entre outros. Segundo uma fonte do comando peronista, “Massa conseguiu ampliar seu voto entre as mulheres e nas grandes cidades”.
O segundo turno, admitiram colaboradores do peronista e do candidato da ultradireita, é uma eleição de final aberto.
Fonte: O Globo
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