O Exército de Israel confirmou, nesta sexta-feira, a morte do 41º militar desde o início da incursão terrestre à Faixa de Gaza, no dia 27 de outubro. Em duas semanas de uma operação que diz ter dividido ao meio o território, e que tem como objetivo principal destruir o Hamas, o número de mortos retrata a dificuldade de se combater um inimigo que conhece o terreno, e que tem à disposição uma ampla rede de túneis e um ambiente urbano hostil a forças externas.
Antes mesmo da ofensiva terrestre, as autoridades israelenses já alertavam que o conflito seria longo e violento. Yoav Gallant, ministro da Defesa, disse pouco antes do início da invasão, que “levaria algum tempo” até que a ampla rede de túneis do Hamas fosse desmantelada e que os “bolsões de resistência” fossem destroçados. Um exemplo disso aconteceu na quinta-feira, quando as forças israelenses travaram, por dez horas, uma batalha nos arredores do campo de refugiados de Jabalya e do hospital Al-Shifa, na Cidade de Gaza, apontado por Israel como “base operacional” do Hamas.
A última grande incursão israelense no território palestino ocorreu em 2014, durante uma violenta guerra que se estendeu por pouco mais de um mês. O roteiro foi parecido com o que se desenrolou na Faixa de Gaza desde os ataques de 7 de outubro: lançamentos de foguetes por parte do Hamas contra cidades israelenses, ataques brutais da aviação e, por fim, uma operação terrestre, iniciada em 17 de julho daquele ano, e que tinha como alvos principais os túneis do Hamas. Como no atual conflito, todas as dificuldades do combate em ambiente urbano se revelaram rapidamente.
— Era como lutar com fantasmas. Você não os vê — disse ao Times of Israel Ariel Bernstein, um veterano da guerra de 2014 em Gaza. Segundo ele, o ambiente encontrado na região Norte do território, hoje também foco das operações israelenses, era um conjunto de “emboscadas, armadilhas, esconderijos e atiradores de elite”.
Dados da Magen David Adom, equivalente israelense da Cruz Vermelha, apontam que dos 67 militares que morreram na guerra de 2014, pelo menos seis foram vítimas de explosivos escondidos em casas, escritórios e locais que aparentavam ser instalações médicas. Disparos dos atiradores de elite deixaram pelo menos dois mortos, sem contar os ataques com mísseis anti-tanque, uma arma preferencial e amplamente disponível para os combatentes do Hamas. Pelo menos dois militares morreram dessa forma.
— Um fato militar básico é que invadir áreas urbanas é sempre muito difícil — disse à Voice of America David Silbey, professor de História Militar na Universidade Cornell. — Cidades são perfeitas para quem se defende. Há muitos lugares para se esconder, não apenas os túneis que o Hamas tem construído, mas também prédios, casas e todos os tipos de lugares.
Hoje, duas semanas depois do início da incursão em Gaza, os números são parecidos com os da operação terrestre de 2014, que durou 17 dias: naquela ocasião, cerca de 40 militares israelenses morreram em combates dentro do território palestino, contra 41 mortos até o momento — as demais baixas naquele ano ocorreram em ataques do Hamas dentro de Israel ou em incidentes de “fogo amigo”, quando um combatente atinge, por acidente, algum integrante das próprias forças.
Há que se considerar, sob a fria análise dos números, que as mortes de militares israelenses são bem menores do que a dos mortos entre os combatentes do Hamas, que não dispoem do mesmo treinamento, planejamento e equipamentos — segundo representantes do Exército de Israel, “dezenas” de forças dos grupos armados palestinos morreram nos combates nos arredores do hospital Al Shifa. As autoridades em Gaza não comentaram essa alegação.
Ofensiva ampliada
Mas ao mesmo tempo em que há semelhanças entre as duas guerras, também há diferenças. A começar pelo próprio objetivo da invasão: a destruição do Hamas, responsável pelos ataques de 7 de outubro, que deixaram mais de 1,4 mil mortos em Israel. O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, que também luta pela própria sobrevivência política (cada vez mais improvável) tem usado um tom carregado no belicismo, e tem ignorado sistematicamente pedidos para evitar o uso excessivo de força contra civis. Segundo as autoridades palestinas, o número de mortos passa de 10 mil, e o governo de Netanyahu tem sido acusado de promover uma “punição coletiva” à população de Gaza.
— Naquela época [2014], havia um reconhecimento geral de que Gaza com o Hamas era útil para Israel. Mostrava que Israel não tinha ninguém com quem negociar — disse à Voz da América Paul Scham, pesquisador do Middle East Institute. — O cálculo agora é diferente, porque os ataques horrendos (do Hamas) significam que o público israelense quer sangue, de forma literal.
Em 2014, os militares atuaram em locais como Shujaya, uma vizinhança próxima à Cidade de Gaza e que é um dos locais mais densamente povoados do território palestino. No dia 20 de julho daquele ano, uma batalha de três dias no local terminou com 16 soldados israelenses e 70 combatentes do Hamas mortos. Outro foco de combates foi a cidade de Khan Younis, no Sul de Gaza, onde seis militares morreram em diferentes incidentes, incluindo tiroteios e explosões de armadilhas.
Agora, os combates acontecem em praticamente todas as áreas do território palestino, incluindo nas praias, áreas rurais e na própria Cidade de Gaza, que se tornou, de acordo com relatos, uma zona de guerra aberta, com tiroteios, bombardeios e medo entre os civis que não conseguiram deixar a região rumo a áreas mais seguras — isso se ainda houver alguma área segura dentro de Gaza.
“Dado o planejamento metódico que envolveu o ataque [de 7 de outubro], parece que o Hamas dedicou bastante tempo ao planejamento da próxima fase, realizando uma extensa preparação do campo de batalha em Gaza”, escreveu, em um memorando, o centro de estudos Soufan Center.
Fonte: O Globo
Comente esta matéria