O primeiro-ministro da Polônia, Mateusz Morawiecki, afirmou nesta quarta (20) que seu país não irá mais fornecer armamento para a Ucrânia se defender contra a invasão russa. “Não estamos mais
transferindo. Nós vamos agora nos armar com as armas mais modernas”, disse em um programa da TV privada Polsat News.
É a primeira vez que um aliado de Kiev contra a agressão russa, membro da aliança ocidental Otan, faz tal afirmação. E não é um apoiador qualquer: a Polônia é, segundo o Instituto para Economia Mundial de Kiel (Alemanha), a sexta maior fornecedora de ajuda militar aos ucranianos desde a invasão de fevereiro de 2002.
De lá até 31 de julho deste ano, foram enviados o equivalente a R$ 15,6 bilhões em armas, notadamente 240 tanques T-72, e um número incerto de obuseiros Krab e caças MiG-29 —Varsóvia foi a primeira
aliada de Volodimir Zelenski a autorizar tal tipo de transferência.
A frase do premiê, que naturalmente pode ter sido uma bravata a ser corrigida, ocorre em um momento altamente delicado na relação entre os vizinhos e tem um contexto eleitoral para explicar a assertividade.
Nesta semana, Polônia, Eslováquia e Hungria mantiveram o veto à compra de grãos ucranianos, vitais para a sobrevivência econômica de Kiev. Segundo os governos, há risco de o mercado ser inundado
pelos produtos vizinhos, causando desequilíbrios inflacionários e riscos aos agricultores locais.
Como a Rússia deixou o esquema que permitia o escoamento da produção agrícola ucraniana pelo mar Negro em julho, inclusive atacando portos do rival a partir disso, Zelenski tem buscado alternativas para conseguir lucrar com seu trigo, milho e afins.
Irritado, o presidente ucraniano disse durante sua fala na Assembleia-Geral da ONU, na terça (19), que o “teatro político” em torno da questão dos grãos estava “apenas ajudando Moscou” no
conflito. As palavras caíram mal em Varsóvia, dado que o partido de Morawiecki irá disputar eleições parlamentares no dia 15 de outubro.
Assim, o governo convocou o embaixador ucraniano no país para pedir explicações sobre a fala. Para adicionar azedume ao caldo, o presidente polonês, Andrzej Duda, disse em uma entrevista também em Nova York na terça que a Polônia deveria ser mais grata pela ajuda que recebe do Ocidente.
Nas contas de Kiev, apenas em armamentos foram R$ 500 bilhões até o mês passado, 25 vezes seu orçamento de defesa ordinário no ano anterior à guerra. Os EUA lideram tal ajuda, embora no cômputo geral de auxílios que incluem dinheiro para ações humanitárias, a União Europeia seja a maior doadora.
Morawiecki, claro, fala para seu público interno. “A Ucrânia está se defendendo de um ataque brutal russo e entendemos que esse ataque cria uma situação sem precedente. Mas isso é só uma guerra regular”, afirmou.
Na sequência, fez a defesa do grande programa de rearmamento polonês, que busca tornar as forças terrestres do país as mais capazes da Europa em 2026. Estão no caminho: já foram encomendados tanques pesados e caças americanos e sul-coreanos, drones, sistemas antiaéreos, helicópteros e toda sorte de armas.
A escalada levará, segundo o governo, o país a dobrar neste ano seu patamar de gasto com defesa para 4% do Produto Interno Bruto, o maior entre quaisquer dos 31 membros da Otan —que preconiza 2% como um piso de despesa ideal, alcançado por poucos de seus integrantes.
É uma resposta também a Putin, que tem ameaçado indiretamente o país, acusando-o sem provas de querer intervir na guerra, e à militarização da aliada do Kremlin Belarus, que agora tem armas nucleares russas em seu território vizinho ao polonês.
Politicamente, é mais um revés para Zelenski, que está em Nova York pedindo mais ajuda militar aos Estados Unidos também. Sua contraofensiva iniciada em junho não deu até agora resultados palpáveis, o que tem aumentado o mau humor dos aliados ocidentais que inundaram o país com armas.
O ucraniano inclusive queixou-se de que tais armamentos estavam demorando para chegar, mas o fato é que seu sistema de defesa está sendo questionado. O secretário de Estado americano, Antony Blinken, fez uma visita surpresa a Kiev para checar a situação e, apesar de falas públicas otimistas, a avaliação de analistas é de que Zelenski está com problemas.
Tanto foi assim que ele trocou a cúpula de seu Ministério da Defesa, envolvida também em denúncias de corrupção. Para compensar, acelerou os ataques ao ponto mais frágil da Rússia na região, que são seus ativos navais no mar Negro e na Crimeia anexada.
Mesmo a sapiência disso é questionada, como foi Zelenski ao ser entrevistado pela CNN, sempre simpática à sua causa, na ONU. Ele disse que a Crimeia, nas mãos de Putin desde 2014, é ucraniana, logo é um alvo legítimo. O apresentador Wolf Blitzer não pareceu convencido; como os poloneses, sejam quais forem suas razões, também não demonstram.
Já na cúpula da Otan, em julho, o então secretário de Defesa britânico queixou-se que “nós não somos a Amazon” das armas, acerca dos pedidos de Kiev. E, depois, o chefe de gabinete do secretário-geral da aliança afirmou que estava na hora de a Ucrânia pensar em ceder territórios aos russos.
Tudo isso pode se acertar, ao menos em termos de declarações públicas, mas sinaliza que a pressão sobre o presidente ucraniano está em alta. Em nada ajuda o calendário eleitoral americano: o presidente Joe Biden será cobrado, na campanha à reeleição em 2024, sobre resultados dos bilhões dados a Kiev, e seu rival Donald Trump já sinalizou ser contra enviar mais dinheiro.
Fonte: Folha de São Paulo
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